Alterações neurológicas e prematuridade podem oferecer riscos para alimentação
Alterações neurológicas e prematuridade podem oferecer riscos para alimentação
Beber água ou comer um pedaço de fruta parece simples, uma atividade que não exige esforço. Para a maioria de nós, conduzir alimentos, saliva e líquidos da boca ao estômago acontece de forma tão intuitiva que não nos damos conta da complexidade desse sistema. Porém, a deglutição envolve mais de 20 músculos e demanda uma série de movimentos sincronizados.
Quando conhecemos mais profundamente o processo da ingestão de alimentos, percebemos, então, que ele exige, além da integridade dos sistemas, atenção e cuidados. Algumas crianças podem ter dificuldade para engolir e realizar esse transporte da comida e da saliva até o estômago – problema chamado de disfagia. Uma das grandes preocupações nesses casos é que os alimentos podem fazer um percurso errado indo parar nos pulmões. A entrada de substâncias estranhas nas vias aéreas coloca em risco a saúde pulmonar da criança, podendo levar até à morte.
Neste mês de março, conselhos de fonoaudiologia em todo o Brasil promovem ações de conscientização sobre essa questão. Para contribuir com a campanha, realizamos nas nossas redes sociais a série #AtençãoÀDisfagiaSabará, com nossos especialistas abordando algumas condições que podem desencadear o problema. No texto de hoje, vamos apresentar mais dois fatores que frequentemente estão relacionados a distúrbios de deglutição infantil: alterações neurológicas e o nascimento prematuro.
Também vamos dar dicas de como reconhecer qualquer sinal de dificuldade na alimentação. Então, fique com a gente, pois o assunto de hoje está diretamente relacionado ao desenvolvimento saudável dos pequenos, garantindo nutrição e hidratação de forma segura. Siga na leitura!
Quando o alimento vai para o lugar errado
Como já começamos a contar aqui, a deglutição – ato de engolir – é um processo neuromuscular dinâmico. Depois que mastigamos o alimento, ele é empurrado para trás com ajuda da língua, e começa, então, uma série de movimentos que precisam ser bem sincronizados. Logo no início da garganta, o alimento cai na faringe, um órgão que é comum tanto ao sistema digestivo como para o respiratório, ou seja, serve para a passagem de alimentos e também de ar.
Porém, para garantir que esse alimento faça o percurso adequado – indo para o esôfago e, posteriormente para o estômago -,a garganta sobe e uma pequena estrutura chamada de epiglote fecha a entrada para a via aérea no momento em que estamos engolindo. Quando esse movimento não é bem coordenado é que pode ocorrer o problema, pois alguns resíduos podem ir para a traqueia e chegar ao pulmão.
Sabe quando temos um engasgo e sentimos, por exemplo, que aquele grãozinho de arroz foi para o caminho errado? É exatamente isso que acontece. Normalmente, nessas situações temos tosses porque o nosso organismo já identifica que houve alguma disfunção e tenta expulsar o resíduo do caminho errado.
A coordenadora do setor de Fonoaudiologia do Sabará Hospital Infantil, Denise Madureira, explica que alterações na deglutição podem ocasionar quadros infecciosos e de pneumonias de repetição.“O pulmão é o lugar de respirar, tem que ter ar, não foi feito para lidar com leite, comida e nem com saliva. O pulmão não consegue expulsar esses resíduos, isso vai ficando lá, podendo causar infecção.”, destaca Madureira.
Deglutição: uma orquestra comandada pelo cérebro
Toda essa sincronia de movimentos que ocorre durante a deglutição é controlada por diversas áreas do cérebro. Inclusive, há uma parte específica só para administrar esse processo chamada centro de deglutição, que está localizada no tronco cerebral. Por isso, crianças com uma lesão neurológica que comprometa uma dessas estruturas podem apresentar dificuldades na alimentação.
Entre os quadros de alterações neurológicas que trazem maiores riscos para a disfagia está a encefalopatia crônica não evolutiva, também conhecida como paralisia cerebral – transtorno caracterizado por comprometimentos motores e posturais diversos causados por lesão no sistema nervoso central. Outras doenças como a hidrocefalia – caracterizada pelo acúmulo de líquidos no cérebro -, e a microcefalia – condição rara em que o bebê tem o tamanho da cabeça e do cérebro menores que os valores de referência – também estão associadas frequentemente a dificuldades na deglutição.
Muitas vezes essas condições já se manifestam durante a gestação ou logo nos primeiros anos de vida. Dessa forma, Madureira reforça a importância da avaliação do recém-nascido por um fonoaudiólogo para identificar e intervir nos possíveis distúrbios alimentares: “Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, mais chances de reabilitar, de ter um desenvolvimento e um crescimento adequado, dentro da condição da criança”.
Disfagia frequente leva a desnutrição
Além de problemas pulmonares crônicos, a dificuldade recorrente para se alimentar pode levar a criança a apresentar perda de peso, desidratação e insuficiência nutricional. “A desnutrição pode ser causada porque a criança demora muito tempo para comer, gastando muita energia. Por exemplo, ela demora uma hora e meia para se alimentar. Ela comeu tudo, mas ela demorou tanto que essa energia já foi gasta e, então, ela fica com falta de nutrientes. Ou, então, ela come menos do que ela precisaria comer porque ela cansa.” explica a fonoaudióloga.
Uma alimentação adequada com acesso aos nutrientes essenciais é fundamental para o crescimento saudável de todas as crianças, especialmente nos dois primeiros anos de vida – fase de maior desenvolvimento do bebê. Por isso, organizações ligadas à saúde infantil de todo o mundo chamam atenção para esse período chamado de “os primeiros mil dias”. A garantia de aspectos como nutrição, estimulação e proteção adequadas nos anos iniciais refletem muito nas condições de saúde que ela terá, inclusive, na vida adulta.
E quando a criança apresenta algum comprometimento neurológico, o quadro de disfagia associado pode agravar a condição desse paciente. Nesse sentido, Madureira destaca como a falta de diagnóstico precoce pode prejudicar ainda mais esses casos. “Atendemos crianças mais velhas, que chegam já com o quadro de desnutrição muito grave, com piora do desenvolvimento e do crescimento.”, aponta Madureira.
Bebês prematuros
Já sabemos que engolir não é uma tarefa tão simples, exigindo uma série de atividades neurais e uma coordenação extremamente precisa com a respiração. Os bebês prematuros (nascidos antes de 37 semanas), por ainda não estarem com seus órgãos totalmente formados, podem apresentar complicações de ordem respiratória, cardíaca e até neurológica. Por isso, frequentemente, crianças que nasceram mais cedo podem apresentar dificuldades para engolir.
A fonoaudióloga do Sabará Hospital Infantil, Paula Galbiatti, destaca que o grau de disfagia vai depender da semana de nascimento do bebê. “Se um neném nasce prematuro extremo, por volta das vinte e nove semanas, ele ainda não respira sozinho direito. Ele tem um comprometimento pulmonar ainda nessa idade porque o pulmão não está totalmente desenvolvido. Então, ele vai demorar mais um pouco para amadurecer, para conseguir respirar sozinho e, a partir disso, coordenar uma alimentação eficiente”, afirma Galbiatti.
Nesses casos, a fonoaudióloga explica que geralmente, em um primeiro momento, os recém-nascidos precisam de uma via de alimentação alternativa, sendo necessária a utilização de sondas. E durante o período de internação do bebê, a fonoaudióloga acompanha a evolução da criança juntamente com a equipe multidisciplinar.
Quando se percebe que o bebê ganhou maturidade neurológica e pulmonar, a equipe de fonoaudiologia começa com a reabilitação. “Nós fazemos a intervenção para auxiliar na maturação neurológica da sucção, deglutição e também no fortalecimento da musculatura da face e língua.Então, ajudamos o bebê a adequar as habilidades orais para que ele tenha uma mamada segura e eficiente”, conta Galbiatti.
Sinais de disfagia
Uma criança com dificuldades para engolir os alimentos pode apresentar alguns sinais bastante evidentes. Fique de olho:
- Demora frequente para alimentar;
- Engasgos e tosses frequentes durante a alimentação;
- Dificuldade do bebê para sugar o leite durante a mamada;
- Grande escape de leite pela boca do bebê durante a amamentação;
- Dificuldade de ganho de peso.
Porém, atenção: a criança pode estar com dificuldades para se alimentar e não apresentar sinais aparentes. Madureira observa que, em alguns casos, o bebê pode sugar o leite ou a criança, quando mais velha, engolir a comida sem problemas no início, mas ter alguma disfunção durante o trajeto do alimento, não conseguindo conduzi-lo adequadamente até o estômago.
A fonoaudióloga alerta os pais para ficarem atentos à repetição de algumas situações: “Muitas vezes, o que aparece é o sintoma, que é a criança com quadros respiratórios recorrentes: infecções respiratórias, pneumonia, pneumonia de repetição, e não se percebe que tem ligação com a alimentação por não estar tão evidente a dificuldade”.
Ela ainda reforça que mesmo em casos de crianças com comprometimentos neurológicos os pais não devem naturalizar as complicações durante a alimentação. “Costuma-se justificar que por essa criança ter uma alteração neurológica, é esperado que essa dificuldade aconteça. E frequentemente essa dificuldade está causando um risco. Não é só uma dificuldade, é algo que pode colocar a vida dela em risco porque em algum momento ela pode ter uma asfixia e ter uma parada respiratória”, alerta Madureira.
Exame clínicos
Além da observação dos sinais aparentes, também existem exames clínicos que mostram se o alimento está indo para o caminho errado: o videodeglutograma e a endoscopia. Os dois procedimentos são realizados no Sabará Hospital Infantil por um fonoaudiólogo e um radiologista, acompanhados por uma enfermeira.
Madureira conta como, através de toda uma equipe especializada em pediatria, os profissionais buscam levar segurança e mais conforto aos pequenos durante a avaliação. “Por sermos um hospital infantil, temos todo um preparo desde a recepção da criança na sala de espera. A gente faz a entrevista, descobre o que ela gosta de comer, seleciona os alimentos, perguntamos que desenho infantil ela gosta e colocamos o vídeo durante o exame”, compartilha Madureira.
O fonoaudiólogo é o profissional capacitado para avaliar, diagnosticar e tratar disfunções da alimentação. No entanto, crianças com disfagia, normalmente, necessitam do acompanhamento de uma equipe multidisciplinar composta por nutrólogo, fisioterapeuta, neurologista, gastroenterologia, pneumologista, otorrinolaringologista e, em alguns casos, de cirurgião pediátrico. No nosso hospital, temos todas as especialidades disponíveis, com profissionais especializados em pediatria. Além disso, nosso Centro de Excelência em Alta Complexidade conta com o Programa Aerodigestivo e o Programa Avançado de Tratamento da Insuficiência Intestinal, setores dedicados aos cuidados de crianças com distúrbios de Vias Aéreas, Digestivas e Insuficiências intestinais
Para tirar dúvidas ou agendar atendimentos, entre em contato com o nosso Canal de Apoio aos Pais (CAP) pelo whatsapp (11) 97068 1924.