Relações de afeto contribuem para o desenvolvimento emocional e intelectual das crianças
Relações de afeto contribuem para o desenvolvimento emocional e intelectual das crianças
Qual lembrança gostosa você tem da sua infância? Aquela música que sua mãe colocava pra vocês dançarem juntos; o dia em que seu pai te mostrou os movimentos do Sol e da Terra usando uma laranja e um limão; as manhãs junto com o vovô tomando leite ao pé da vaca… muitos de nós têm na sua caixinha de memórias momentos únicos de felicidade que se eternizaram na alma.
Sentir o afeto do outro é vivenciar uma série de sentimentos prazerosos que podem estruturar muito do que somos. A experiência desde cedo com manifestações de carinho é fundamental para o desenvolvimento infantil, impactando na personalidade da criança e também no seu crescimento cognitivo – mecanismos mentais necessários para a construção da percepção, pensamento, memória e resolução de problemas.
Apesar das ligações afetivas trazerem tantos reflexos para a criança, a maioria das pessoas ainda não faz essa relação. Uma pesquisa, realizada em 2012, pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, apontou que apenas 12% da população considera o afeto importante para o desenvolvimento da criança.
No texto de hoje, vamos buscar entender qual a importância do afeto durante a infância, discutindo seus benefícios e também os danos que a sua falta podem trazer para as crianças. E ainda conversar sobre algumas formas de criar laços afetivos com os nossos pequenos. Descubra na leitura!
E o que é afeto?
Para o que não é possível pegar com as mãos e apalpar, o que fica é o sentir. Assim, o afeto também transborda às tentativas de limitá-lo a um único significado. Porém, quando pensamos nas sensações despertadas a partir de relações afetivas positivas, lembramos com frequência de sentimentos como carinho, amor e atenção.
A coordenadora do setor de psicologia do Sabará Hospital Infantil, Cristina Borsari, afirma que construímos momentos de afeto com as crianças quando nos colocamos integralmente para viver momentos com elas. “Você tem que desligar um pouco dos seus problemas externos do trabalho ou de alguma questão familiar, para você estar inteiro nessa relação com o teu filho. Por exemplo, você colocar o teu filho pra dormir na cama, dar um beijo de boa noite, ler um livro de historinhas, isso é uma demonstração de afeto, uma construção da relação de afeto. E isso vai criando memórias afetivas, que é o que ele vai construindo dentro do desenvolvimento psíquico dele”.
Como o afeto atua no interior da criança
O bem-estar provocado por essas interações positivas com os adultos de referência, sejam eles os pais, familiares, cuidadores, entre outros, pode impactar diretamente a personalidade e desenvolvimento intelectual das crianças por questões biológicas. Borsari explica que os neurotransmissores presentes em nosso cérebro, responsáveis pelo impulso nervoso, respondem de formas diferentes a depender do estímulo. “Uma criança que recebe o afeto favorável vai ter uma boa quantidade de neurotransmissores acessando glândulas cerebrais que liberam noradrenalina, adrenalina, serotonina – os hormônios do prazer. O inverso disso, por exemplo, é um aumento de cortisol, que é um hormônio relacionado com estresse, com ansiedade”, destaca a psicóloga.
Sobre os reflexos nos processos de aprendizagem, Borsari ressalta que “é importante a criança ter um ambiente afetuoso para o desenvolvimento da função cognitiva de atenção, que vai resultar em processos cognitivos positivos de memória, de raciocínio, de linguagem e de pensamento”.
Relações afetivas constroem adultos mais seguros
As experiências afetivas, construídas especialmente durante a primeira infância (entre zero e seis anos de idade), ao contribuírem com a formação da personalidade e com o desenvolvimento cerebral, também podem trazer reflexos para o futuro. Nesse sentido, Borsari afirma: “crianças que recebem afeto vão ser adultos mais seguros, com facilidade de lidar com situações de conflitos e de frustração”.
Por outro lado, a profissional também aponta que a ausência de afeto pode desencadear, posteriormente, até mesmo transtornos psicológicos. “Uma criança que é privada de afeto, seja dos seus genitores ou de um cuidador que passa a maior parte do tempo com ela, quando fica mais velha, pode desenvolver uma patologia chamada desamparo afetivo, que vai gerar uma criança com conflitos emocionais, que não lida bem com a frustração, com fobia social”, enfatiza a psicóloga.
Ainda que a criança seja mais introvertida – com um comportamento mais fechado e contida em si mesma -, devemos buscar formas amorosas de nos relacionarmos com ela. Os pequenos aprendem muito através dos exemplos e, por isso, ao interagirmos com eles por meio do carinho também estamos demonstrando como é possível se relacionar afetivamente com as outras pessoas.
E como manifestar o afeto para as nossas crianças?
Relações afetivas são construídas na vivência particular de cada relação, ao passo que damos aberturas para os nossos sentidos se conectarem com os pequenos. E é preciso ter mesmo um olhar individual, pois cada criança é única, com suas necessidades e especificidades.
No entanto, o indiscutível é que quando estamos comprometidos com a criança, ela sente. Borsari conta que nos primeiros anos de vida a relação de afeto entre pais e filhos acontece através da brincadeira. “O brincar é muito importante pra criança, porque no brincar, ela testa suas relações de afeto, o quanto aquele pai está dando atenção pra ela, está sendo afetuoso em uma brincadeira de faz de conta ou em uma brincadeira de montar blocos, por exemplo”, comenta a psicóloga.
Não por acaso muitas das nossas memórias afetivas estão ligadas a eventos em que nos sentimos especiais para alguém. Por essa perspectiva, Borsari pontua ainda que algumas manifestações de afeto podem ocorrer ao se preparar um alimento para a criança ou quando se promove um desejo, como a ida à praia. Porém, lembre-se: não há receita para a demonstração do amor. Permita-se viver uma integração verdadeira com o seu filho para que o afeto se manifeste de forma leve e natural.
Cultivando relações de afeto com os adolescentes
Os pequenos crescem e, em alguns anos, teremos em casa a chegada da adolescência. Uma fase de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizada pelas descobertas, novas experiências e pela consolidação da própria identidade. Por isso, neste período, também é marcante a busca dos adolescentes pelo pertencimento “fora” do núcleo familiar. Porém, e os pais, como podem permanecer afetivamente conectados com seus filhos?
Nossa psicóloga orienta que os pais criem uma rotina que reserve momentos dedicados para cada filho, caso tenha mais de um. Espaços individualizados são importantes porque as fases vividas podem ser diferentes, e precisamos lembrar sempre que cada filho tem suas próprias necessidades.
Ela destaca também que para se construir vínculos com os adolescentes é preciso ter um diálogo afetuoso, voltado para os prazeres, desejos e gostos deles. “Você tem que entrar no mundo das necessidades do adolescente. Ouvir as músicas que ele gosta, falar dos assuntos que para ele são interessantes; e não o caminho contrário. Temos muito essa mania de dizer para o filho adolescente: ‘Ah, porque na minha época era assim’. Não, você está falando de você. Então, na relação com o adolescente, você tem que falar do adolescente”, observa Borsari.
E tem limite para o afeto?
Quando falamos da importância do carinho e amor nas relações com as crianças para o pleno desenvolvimento delas, é comum também a preocupação dos pais em como dosar esses sentimentos para que não se crie uma superproteção. Sobre isso, é importante pensar que a troca de afetos não impede a imposição de limites.
Pelo contrário, uma educação positiva com respeito e empatia, também passa por guiar nossas crianças a reconhecerem valores e regras sociais que as ajudem a cuidar do seu próprio bem-estar, das pessoas a sua volta e do ambiente em que vivem. Nesse sentido, Borsari fala o quanto é importante os pais não criarem laços afetivos que restrinjam as experiências dos seus filhos. “Você superproteger, ser muito afetuoso a ponto de não deixar essa criança passar por frustrações, não deixar essa criança experimentar limites, você vai trazer um prejuízo para o seu filho. Mas, por outro lado, eu acho que a gente tem que ter sempre um bom senso enquanto pais de trazer o afeto em toda conversa, em todo ato”, afirma.
Caso os pais sintam que há um excesso de proteção, que tem refletido em uma criança com algumas características como muito medrosa, dificuldades de relacionamento e choro excessivo, a profissional recomenda: “É hora de buscar ajuda de um psicólogo ou de um psicoterapeuta para receber orientações e tentar um manejo com essa família de uma forma um pouco mais leve, não tão engessada e não tão exagerada”.
No entanto, ainda que a criança não apresente os comportamentos citados acima, os pais ao cogitarem se estão superprotegendo seus filhos, devem buscar atendimento especializado. O mesmo vale para quando nasce a dúvida se o afeto pode estar em falta. Um provérbio africano diz: “É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”. Não tenha receio de buscar apoio!
Saiba mais:
Youtube Saúde da Infância – Afeto influencia no desenvolvimento da criança? https://www.youtube.com/watch?v=RDa4Rx5-0vo
Do conhecimento ao afeto
https://institutopensi.org.br/blog-saude-infantil/do-conhecimento-ao-afeto/
Pandemia: como ajudar os adolescentes a lidar com os desafios do isolamento
Direito à infância: a importância da humanização no atendimento de crianças hospitalizadas