Jejum e consulta preparatória: entenda o essencial para uma avaliação anestesiológica
No ambiente hospitalar, é comum que exames, procedimentos e até cirurgias precisem ser remarcados por falta de cumprimento dos protocolos. O jejum inadequado é um dos principais motivos para que um exame ou cirurgia precise ser remarcado. É um grande transtorno para a família que se organiza para estar no hospital, assim como para todas as equipes envolvidas no cuidado do paciente.
Débora Cumino, coordenadora do Serviço de Anestesiologia Pediátrica do Sabará Hospital Infantil, afirma que o jejum antes de procedimentos, exames e cirurgias é um pré-requisito essencial para manter o paciente pediátrico seguro. “O jejum diminui as complicações no momento da anestesia, protegendo as crianças do risco que resíduos de comida ou da secreção do estômago possam causar se entrarem no pulmão. Além disso, é essencial um cuidado com quadros agudos, como infecções, febre e diarreias”, explica.
No caso de pacientes pediátricos, são os pais que precisam ficar de olho nas regras e tempo do jejum, garantindo que exames e procedimentos aconteçam na hora marcada. No Sabará Hospital Infantil, o trabalho da família e da equipe de anestesiologia é facilitado pela ferramenta da avaliação pré-anestesiológica por telemedicina, que permite aos nossos profissionais fazer um levantamento completo do paciente pediátrico sem a necessidade de uma consulta presencial.
E aqui vale uma explicação: o papel do anestesiologista vai muito além da ausência da dor. Durante exames, procedimentos e cirurgias, ele é responsável por monitorar o estado geral do paciente, seu nível de consciência, pressão arterial, pulso e respiração, mantendo as funções vitais em níveis seguros. Também é o anestesiologista que monitora a recuperação após todos os procedimentos, garantindo que o paciente acorde de forma segura e tranquila. Para que o profissional possa exercer esse papel, é necessário que o paciente cumpra uma série de requisitos, que vão de cumprir um período de jejum à análise do histórico de alergias e do calendário de vacinação.
Em tempos de pandemia, também é essencial o cuidado com possíveis casos de covid-19 no ambiente hospitalar. De acordo com o consórcio de veículos de imprensa que monitora a vacinação no Brasil, 161.815.236 brasileiros estão totalmente imunizados ao tomar a segunda dose da vacina contra a covid-19, número que representa 75,32% da população do país. As crianças com cinco anos de idade ou mais, que estão parcialmente imunizadas, representam 87,98% do total desta população, com 11.009.071 doses aplicadas.
Mesmo com bons números em relação à vacinação infantil, os protocolos de segurança precisam continuar para garantir a saúde das crianças, famílias e profissionais de saúde. A Dra. Cumino explica que a telemedicina foi essencial para evitar problemas relacionados à preparação anestesiológica dos pacientes. “Com a pandemia de covid-19, os procedimentos mudaram muito. Um deles foi a implantação da avaliação pré-anestésica por telemedicina. Neste protocolo de segurança, o hospital também criou um modelo da coleta do PCR a domicílio, para que não haja a necessidade do paciente vir ao hospital e adiantar o trabalho da equipe presencial”.
Leia abaixo nossa entrevista completa com a Dra. Débora:
É comum que os pacientes acabem cometendo erros sem saber e tomem água ou se alimentem em horários indevidos antes de exames ou cirurgias. Quais são as questões importantes a se saber para se preparar para a maioria dos procedimentos?
Quando o jejum não é respeitado, isso gera cancelamento, suspensão ou atrasos importantes de exames, procedimentos e cirurgias. O jejum é uma medida de segurança para a anestesia por diminuir o risco de complicações no momento da aplicação dos fármacos. O jejum é feito para proteger as crianças do risco de broncoaspiração pulmonar, já que, quando colocamos a máscara com o anestésico, isso diminui e altera os reflexos protetores da via aérea. Nessa hora, o conteúdo que está no estômago da criança pode voltar pelo esôfago e ser aspirado no pulmão, já que a via aérea não consegue se proteger. Esse problema gera uma pneumonite, quadro grave que pode requerer terapia intensiva, intubação traqueal e antibióticos. Por isso o jejum é tão importante na hora da indução anestésica.
Quando não existe uma preparação anestésica, ou seja, em casos de procedimentos de emergência como quando a criança sofre um acidente ou fratura, por exemplo, precisamos utilizar a técnica da sequência rápida, na qual fazemos indução venosa. Nesse procedimento, temos que pegar uma veia com a criança acordada, o que é muito desconfortável. As crianças choram e ficam muito agitadas, e sempre existe o risco desse conteúdo que está no estômago chegar aos pulmões.
Considerando pacientes pediátricos, como os pais e cuidadores podem preparar os pequenos para exames ou intervenções cirúrgicas?
É importante que haja o preparo comportamental. Os pais precisam explicar, em uma linguagem apropriada, o que vai acontecer com a criança. Nessa hora é necessário um compromisso com a verdade, para que não haja uma ruptura dos laços de confiança. É importante para o psicológico da criança que ela entenda o que vai acontecer.
O Sabará Hospital Infantil oferece avaliação pré-operatória de enfermagem e pré-anestésica por teleconsulta. Como funciona?
Essa consulta é feita por meio de um agendamento que envolve toda a família. O anestesiologista faz uma videochamada questionando diversos aspectos do estado de saúde da criança, conhecendo as possíveis doenças de base que ela pode ter e analisando os riscos da anestesia.
Nessa consulta, orientamos os pais sobre jejum, procedimentos de segurança, quadros agudos como infecções, febres e diarreias, e até mesmo a questão da janela de vacinação. Esse é o momento em que o anestesista, conhecendo a história clínica do paciente, define qual o melhor procedimento anestésico e quais os riscos e as medidas de segurança profiláticas que devem ser adotadas.
É fundamental que o profissional médico conheça o quadro clínico completo da criança, com histórico do aparelho cardiovascular, respiratório, digestivo, urinário, antecedentes neurológicos do desenvolvimento, antecedentes hormonais, histórico de anemia, transfusão sanguínea, hospitalizações e alergias. Mesmo quando não há um quadro de alergia medicamentosa, devemos averiguar se a criança é alérgica a leite, fraldas, se tem dermatite atópica, alergia a picada de insetos e corantes. Tudo isso chama atenção do médico, que vai tomar cuidado para que a criança não desenvolva um quadro alérgico aos fármacos.
Alguns fatores exigem mais preparação, como crianças asmáticas, cardiopatas, portadoras de alterações neurológicas e abaixo de um ano nascidas prematuras, existindo muitas vezes a existe a necessidade de uma reserva de UTI para o pós-operatório.
Outro aspecto importante envolve as vacinas. Elas não interferem diretamente com a anestesia, mas a resposta do organismo pode alterar caso a criança, por exemplo, tenha tomado alguma vacina em uma data próxima ao procedimento. Nesse caso, o aparecimento de sintomas no pós-operatório, por exemplo, pode se confundir com complicações anestésicas, sendo que são apenas reações vacinais. A orientação geral é que as crianças não devem ser vacinadas até 20 dias antes de um procedimento.
Existem estratégias que não envolvem fármacos para preparar as crianças no período pré-operatório?
Eu defendi minha tese de doutorado utilizando uma estratégia de distração comportamental com as crianças, com aplicativos de celular para que haja a redução da ansiedade. O que observamos, e o que a literatura demonstra, é que as crianças que podem brincar no momento da hospitalização e pré-anestésico têm uma distração comportamental e isso diminui o medo.
Esses dispositivos, de um modo geral, chamam tanto a atenção, que a criança fica alheia ao ambiente, e isso gera menos insegurança e ansiedade. Isto também pode ser feito com música, brinquedos terapêuticos, uma brincadeira do médico com a criança. É notado que todas as crianças que apresentam ansiedade extrema na indução da anestesia podem evoluir com agitação no momento do despertar, apresentando maior incidência de dor no período pós-operatório.
No Sabará, nosso ambiente é todo lúdico, e o centro cirúrgico é todo adesivado com imagens do fundo do mar. Temos também profissionais com roupas coloridas, que abordam a criança de uma maneira adequada, conversando com ela, com brinquedos e brincadeiras. Isso ajuda muito a minimizar a ansiedade. Alguns pacientes apresentam grande ansiedade mesmo com todas essas ferramentas, e nesses casos podemos lançar mão de estratégias farmacológicas, como xarope ou um spray, são calmantes.
Quando o ambiente é adequado e lúdico e os profissionais sabem brincar com a criança, essas estratégias ajudam como colaboradoras da anestesia, para que o psicológico emocional das crianças seja tranquilizado.
Os procedimentos pré-operatórios mudaram com a pandemia de covid-19?
Tivemos muitas mudanças com a pandemia. Uma delas foi a implantação da avaliação pré-anestésica por telemedicina. Antes, a gente fazia em consultório, então os pais precisavam vir ao hospital antes. No novo protocolo, a pré-consulta é feita de forma remota, e temos também o protocolo de segurança que permite a coleta do PCR de covid-19 a domicílio.
Além disso, na consulta de avaliação, fazemos uma triagem buscando saber se essa criança ou a família tiveram covid, se tiveram contato recentemente com alguém infectado e se a criança frequenta a escola. É muito importante levar em consideração que, em qualquer criança que tem algum sintoma respiratório, o risco de eventos adversos provocados pela anestesia aumenta muito. Na vigência de resfriado, febre, peito chiando e tosse, por exemplo, não recomendamos a realização da anestesia. No caso de crianças abaixo de um ano de idade, sempre avaliamos a história gestacional e perguntamos para os pais como foi o nascimento, se ela foi para casa ou teve alguma intercorrência. Todos esses fatores interferem no risco anestésico.